Equívocos e inevitabilidades

«O problema não são os fundos, mas a má utilização que lhes é dada». Esta é a “crítica” que mais ouço por aí relativamente ao meu livro, «As Causas do Atraso Português». Muitas vezes, esta “crítica” vem da direita portuguesa, muita da qual insiste, de forma a meu ver algo tribal ou pelo menos em espírito de claque, que a culpa dos problemas do país são só e exclusivamente culpa do PS. Essa visão, não só desresponsabiliza a própria oposição como não consegue reconhecer que a natureza tanto do partido dominante do regime (o PS) como da própria oposição são um resultado de forças mais profundas, muitas delas de natureza histórica.

A crítica «O problema não são os fundos, mas a má utilização que lhes é dada» cai na categoria (infelizmente, frequente) de “diga que não leu o livro, ou não percebeu, mas tem na mesma opinião e quer falar sobre o seu conteúdo“. Muitas pessoas adoram ouvir-se. Ler primeiro, com atenção, custa mais.

É evidente que a maldição dos recursos é sempre condicional: assim mostra sem sombra de dúvidas os diferentes efeitos (económicos e políticos) que o acesso a petróleo tem na Venezuela vs. na Noruega (digo isto no livro). E no capítulo 10, argumento que Portugal não tem capital humano, instituições políticas suficientemente fortes, e ambiente cultural para que os fundos possam ser bem utilizados. Para além disso, a UE está a dormir relativamente ao que se passa em Portugal: é um país pequeno demais, com pouca importância. É por tudo isto que a má utilização dos fundos é inevitável, esteja quem estiver no poder.

Aproveito para notar que ao comparar a produtividade do trabalho de Portugal e Espanha (que também recebeu fundos europeus, mas já deixou de receber em termos líquidos pois convergiu) na Figura 33 do livro, ilustro o meu argumento sobre o contexto cultural/ideológico e institucional do país que impede a boa utilização dos fundos, resultante da natureza da transição política desde meados dos anos 70. Não é por acaso que não me centro no PIB per capita. Este último está mais diretamente afetados pelos fundos. Olhar para a produtividade do trabalho ilustra melhor o ponto relativamente à tal condicionalidade que quero fazer sobre os fundamentais da sociedade portuguesa. A baixa produtividade do país resulta das más políticas públicas e quadro legislativo inadequado, que por sua vez resulta de opções políticas, que por sua vez resultam de um contexto ideológico, cultural, e de baixo capital humano (ex. baixa literacia financeira). Ver uma discussão interessante do Pedro S. Martins sobre problemas e soluções, infelizmente politicamente improváveis (pelos motivos que o meu livro explica), aqui. Aproveito para deixar aqui o gráfico alternativo a que me refiro na página 274, que ainda é mais dramático do que o que mostro na Figura 33 (o alternativo que mostro aqui é baseado num estudo, citado no livro, de Paulo Brito, Luís Costa, e Carlos Daniel Santos.)

1 thoughts on “Equívocos e inevitabilidades

  1. Terminei há pouco de ler o seu livro. A inclusão de dados estatísticos e económicos tornou a leitura mais interessante, mas o capitulo 10 foi um choque para mim. Embora tenha crescido em Portugal, vários anos fora do pais limitaram a minha compreensão da sua situação.

    Nas minhas visitas a Portugal, vejo frequentemente situações que ajudam a perpetuar o atraso Português – a hesitação das pessoas em ponderar ou mesmo tomar iniciativa ou riscos, um excesso de hierarquia que limita a capacidade de responsabilidade e de agilizar qualquer coisa, a falta de confiança no trabalho rigoroso ou na esperança que este traga o devido mérito – estes problemas fazem agora mais sentido através de ideias que expos no seu livro, como o atraso educativo, a fragilidade ou falta de responsabilidade das instituições governamentais, entre outras.
    Frequentemente culpamos instituições e lideres pelas nossas circunstâncias, mas esquecemo-nos que as nossas próprias ações como sociedade e indivíduos ajudam a moldar e a perpetuar estas. Como Portugueses, esperamos demasiado dos patrões, do Estado, da UE, mas a forma relaxada como lidamos com a educação, com a produtividade no trabalho e com o nosso desenvolvimento pessoal acaba por perpetuar a nossa dependências nestes grupos, num circulo estagnante para a nossa sociedade.

    Gostar

Deixe um comentário